segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Cicatrização.

     Dessa vez o corte fora profundo, apesar da sutileza do movimento. Ela abaixou a cabeça e deixou-se demorar olhando. Não, não havia uma gota de sangue embora as bordas da ferida estivessem perfeitamente abertas. Eram bordas congruentes, que se encaixavam perfeitamente e somente por um triste acaso encontravam-se separadas. No fundo pareciam pedir que alguém as reunisse,  pois não iriam conseguir tamanha proeza sozinhas. Mas não havia quem pudesse fazê-lo. Não mais. Teriam que cicatrizar dolorosamente por dias e dias sem o apoio que costumavam se dar.

     A partir daí as bordas imaginaram duas situações completamente diferentes. A que mais sofreu com o trauma acreditava piamente que a cicatrização seria completa e que, uma vez unidas as bordas com o tecido fibroso resultante do processo biológico natural, ambas se encontariam num local mais forte que o anterior, pois o tecido fibroso é reconhecidamente mais resistente que aquele que forma a pele. A outra borda, mais realista, visualizou que a cicatrização traria uma nova conformação ao tecido. Mais resistente, sim, isso precisava ser dito, mas ainda assim diferente da arquitetura original. E ela sabia que não poderia concluir se essa nova situação seria melhor ou pior. A única certeza é que seria diferente e representava uma condição à qual ambas deveriam se acostumar.

     A primeira borda estranhou muito a nova conformação do tecido e todo dia sofria por não ter mais o 'antigo' de volta. E isso a tornava disfuncional. A segunda borda, que conseguiu prever o que aconteceria, acostumou-se mais rápido, não sem muito esforço, como naturalmente se deve concluir. Mas ela conseguiu dar os passos necessários à sua nova condição. E assim foi feliz, dentro de suas novas possibilidades.

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